As datas me fogem a memória
Faltam-me números para somar os anos que você completaria hoje
Porque tudo, sempre, se resume a letras e não a números: saudade.
Lembro-me de tudo.
O pé de acerola, com sua copa cheia e galhos que despontavam em todas as direções cutucam a memória
Suas folhas fazem coçar as lembranças
Chegava da escola
Aprontava a sacola com brinquedos e cortava caminho por aquela trilha, apagada hoje pelas novas famílias que preenchem o bairro
Buscava o penoar no quarto e o jogava por sobre você – o vento fazia subir o cheiro de arruda – porque cochilo pede aconchego e você sentia muito frio.
Sentava no tapete da sala.
A suas mãos iam imediatamente para a frente dos olhos
Sorria e avisava:
Eles já estão aqui para brincar com você.
Brincava horas a fio
Conversava com o invisível
Ficava brava
Até que cansava de brincar
Assistíamos desenho
Você passava o café e pegava o potinho com alguma coisa gostosa pra eu levar
Me confidenciava as coisas que só os seus olhos viam
Os meus arregalavam de medo
Na certa, naquela noite eu precisaria de um foco de luz no meu quarto
E mesmo assim custaria a dormir.
Queria te contar que fiz as pazes com o escuro
Não brado palavras ao vento
Mas escuto, em silêncio
Também fiz as pazes com o invisível.
Queria ler os meus textos pra você
Contar a rotina
Os planos
Ouvir música
Então hoje
Sou eu que passo o café
Pego o crustele
Ponho a mesa e espero você chegar.
Que horas você vem?